Algo eu digo:

domingo, 29 de março de 2009

Sobre o caminhar

Como margaridas, brotam meus icebergs
Em rio calmo de curso não cessante
As marcas d'água nas páginas em branco
Um vôo caótico em manobras errantes

Em seda e pó costuro minha armadura
Que carrego como quem leva um elefante
A força vem não do medo da ferida
Mas das frases que não escuto como antes

Não procuro por já saber onde é que estou
No lugar onde disse que sempre vou estar
É mais fácil sair à caça da borboleta
Ou simplesmente esperar ela pousar?

Não me confunda jamais com a paisagem
Pois pra sempre em relevo vou deixar
O que hoje protego com camuflagem
Para um dia, por inteiro, te mostrar

Sou a volta para casa muito tarde
Por motivos que insisto em distorcer
Hoje o som que me acalanta e me sossega
É o mesmo que um dia me fez morrer

sábado, 14 de março de 2009

Conversa entre dois apaixonados

- Eu vou como vão as tempestades
Levo o que há em meu caminho
Destruo o que não se deve destruir
E, ao fim, findo.

Giro em torno de mim mesmo
Atraindo o bom e o ruim
O bom parece ir-se depois
E o ruim se tornar parte de mim.

Amigo, como vai a vida?

- Amigo, sou de ti um espelho
Teu reflexo, teu rosto e tua dor
Minha agonia agora responde por mim
E eu só tentando juntar o que ficou.

Estou como querem os abutres:
Homem por fora, carcaça por dentro
Minh'alquimia agora é desastre
Transformando todo remédio em veneno.

- Eu te entendo e irei te confortar
Eis aqui um vencido, um perdedor
Que pergunta a ti se aguentas
Uma vida sem sentir dor.

Saiba que sem a dor, um homem
Mutila a si mesmo sem saber
Fura os dois olhos com os dedos
E nem percebe que parou de ver!

- Talvez cego eu esteja e ainda não vi
Pois, eis aqui o meu torpor
Nem mesmo lembro se já vivi
Uma vida em que não houvesse dor.


Hoje já não sei se eu nasci
Ou se já vim morto de nascimento
Fadado a viver me perguntando
O que me causa tanto tormento.

- E eu a viver amando a tudo
E por tudo também sofrendo
Pois hoje sou um homem sem medo
Que a tudo quer e a tudo vive querendo.

E não há lógica mais cruel
Que essa presente no amor
Como um sentimento tão lindo
Pode sustentar-se na dor?

- Talvez dialoguem asneiras
Ou teçam artimanhas contra nós
Mas ultimamente um começa no outro
E o que sempre resta é o após.

Só sei que das mulheres eles falam
E falam sobre mulheres num andor
E nós, discípulos e escravos da alma
Temos um coração curioso e sonhador.

- Irmão e irmã, filhos das mulheres!
E que mães desnaturadas elas são
Parem amor e dor, mas, na hora de criar
Entregam-nos em nossas mãos.

E deixam sua cria à nossa sorte
Embora sejamos irresponsáveis
Somos mães e pais de filhos amados
E odiados, contudo, por nossos erros irreparáveis.

- É verdade e desdita tudo que dizes
Sobre a tutela que temos nas mãos
Não somos donos nem de nós mesmos
Quem dirá de um outro coração.

Somos atraídos por nossos desejos
E fazemos de nosso lar uma prisão
Não por imprudência ou negligência
Mas por falarmos com a voz da paixão.

- O desejo é uma lâmina afiada
E o apaixonado sofre duplamente
Primeiro o desejo corta o coração
Depois ele é cravado na mente.

Sábios os que usam armadura
E que se privam do próprio olhar
Estes formam o grupo dos homens
Que nunca irão se apaixonar.

- Os sábios, amigo, são todos
Teóricos por devoção
Que da prática nada conhecem
E do amor só têm a audição.

E são todos velhos, bem sei
Não por muito terem vivido,
Mas, por tanto abortarem o amar,
O coração tem se apodrecido.

- Entendo... Discordo, entretanto.
Antes fossem todos amados
Ou amantes, pois, os sábios hoje,
Foram antes ‘comidos, cuspidos e largados’.

E mesmo com tudo isso
Digo que dar sentido à vida
É amar, não ser amado.
Amar até a hora da partida!

- Amar para sempre é sofrer
Se o outro não conseguir te amar
Por isso é mais sábio viver
Amando enquanto o “para sempre” durar.

Eternas são só as lembranças
Já os amores, estes vêm e se vão
Cada ida é uma vez que morremos
E cada chegada é uma ressurreição.


- Amar eternamente é a solução
Para os problemas da humanidade
Não se precisa amar um alguém
Mas os humanos em sua totalidade.

Esquece que um dia
O teu amor te abandonou
Pois o amor só abandona
Quem um dia já amou.

- O que dizes é uma boa questão
E que há muito me inquieta
O amor é fruto de sua lembrança
Ou da dor que ele arquiteta?

Razão e paixão não são aliadas
Nunca foram, nunca serão
Pois como podemos viver nas nuvens
E ainda assim triscarmos o chão?

- Não vivemos nas nuvens
Mas sim no ardor do inferno
Pois, que é o amor
Senão calor no inverno?


Derretemos o gelo
E fez-se então um mar
E tal mar é composto
Pelo verbo sofrer-amar.

- E é de inventar verbos
Que se cria a gramática do amor
Imperativos da primeira pessoa
Subjuntivos do que ainda for.

Tempo presente e talvez um futuro
Quase sempre imperfeito
Pois o homem que ama é mais que um vidente
É um vidente que só acha defeito

- É isso o que me deixa triste
Pois não acho nenhum defeito
E a tudo nesse mundo
Deixo o adjetivo ‘perfeito’.

E a gramática de nada serve
Se da boca não sai nada
É como tentar escrever
Quando se tem a mão cortada.

- Ter bons olhos a tudo que vê
Não é absurdo, muito menos defeito
Mas apenas um retoque que fazes
Para deixar o teu mundo direito.

O remédio da dor é a ignorância
É não saber o que te devora
Desconhecer o infortúnio da alma
Não saber que o amor foi embora.

- É absurdo e é defeito
Por isso que ando a me cegar
Já não aguento mais sofrer
Por mais que eu ame amar!

E se ontem evitei o amor
Foi pra hoje me provir dele
Pois se ontem ele cuspia dor
Hoje é prazer que ele expele.*

Amigo,
O amor é o amor e é beleza
Então permite a ti sentir
Deixa todo rancor e mágoa
Simplesmente ir.

Ama hoje e amanhã, sê amante
E por nada nesse mundo cansa de ser
Ama pelo bem teu e dos outros, do mundo
Ama de amanhecer a amanhecer.




[O outro apaixonado atende por Solitude]

quarta-feira, 4 de março de 2009

Ioiô

Eu quero brincar de ir.
Brincar de ir e voltar.
Voltar e brincar.
Aprender a dançar.
Ouvir cantar.
Ouvir chamar.
Me calar.
Gritar.

Na ida eu quero aprender a ser homem mau.
Sair da ciranda e inventar nova dança.
Me embriagar com outras coisas e por outros motivos.
Sentir na pele a saudade da pele que eu não mais sentia.
Encontrar novos vícios buscando velhas virtudes.

Na volta quero recompensa por minhas maldades.
Quero companhia na dança que acabei de inventar.
Quero acordar de manhã e curar minha ressaca.
Sentir na pele outra pele, sem sentir mais saudade.
E tornar meus vícios razão para continuar a voltar.

Eu quero me olhar no espelho e brincar com a imagem.
Brincar de ver e esconder.
Brincar de descobrir.
E descobrir que nessa brincadeira
Nesse vai-e-vem-que-não-acaba
Esse reflexo é o brinquedo que mais gostei.
O mesmo fio que o lança, é o mesmo fio que o recolhe
Por isso, ioiô foi o nome que eu dei.

terça-feira, 3 de março de 2009

Contrato

É um escrito em mim
Contrapor o inegável
Tornar fácil o difícil
Dificultando o fácil

É uma anti-semântica
É a anti-razão
Cântico mudo, ponto final
Suor, deleite, paixão

Talvez só domingo
Ou quem sabe é o amor
Sem dança, sem vela
Ou tapete voador

É apenas querer
Não mais que querer
É querer o que se teve
É ter mais e querer

É apenas criação
De uma pobre criatura
É choro, é dor, é enfeite
É casca, é rocha, armadura

É a licença de vida
Que tirei para mim
A forma de não lamentar
Quando se chega no fim

segunda-feira, 2 de março de 2009

Aula

Hiato

Duas vogais que na apostila
São unidas pela palavra
E separadas pela sílaba

Hi-a-to

O pior de todos os encontros
Vocálico de nascença
Sozinhos por maldição

Hiato

Maldição é apenas regra
De uma gramática equivocada
Onde tônica é uma só

Hi-a-to

Um hífem é quem partilha
Mas aprendi que na vida
A partilha é algo bom

Hiato

Não por ser separação
Mas por cada um dar ao outro
Um pedaço do coração

Hi-a-to

Luta tola que o tempo sara
Pois o que o destino uniu
A gramática não separa

Hiato

Que não seja regra então
Pois passada essa fase
Nosso encontro se tornará

Crase.

domingo, 1 de março de 2009

Reviver

Das coisas boas que senti
As melhores foram aquelas que senti de novo
Ainda que com outro gosto, outro cheiro
E o mesmo rosto