Algo eu digo:

sábado, 14 de março de 2009

Conversa entre dois apaixonados

- Eu vou como vão as tempestades
Levo o que há em meu caminho
Destruo o que não se deve destruir
E, ao fim, findo.

Giro em torno de mim mesmo
Atraindo o bom e o ruim
O bom parece ir-se depois
E o ruim se tornar parte de mim.

Amigo, como vai a vida?

- Amigo, sou de ti um espelho
Teu reflexo, teu rosto e tua dor
Minha agonia agora responde por mim
E eu só tentando juntar o que ficou.

Estou como querem os abutres:
Homem por fora, carcaça por dentro
Minh'alquimia agora é desastre
Transformando todo remédio em veneno.

- Eu te entendo e irei te confortar
Eis aqui um vencido, um perdedor
Que pergunta a ti se aguentas
Uma vida sem sentir dor.

Saiba que sem a dor, um homem
Mutila a si mesmo sem saber
Fura os dois olhos com os dedos
E nem percebe que parou de ver!

- Talvez cego eu esteja e ainda não vi
Pois, eis aqui o meu torpor
Nem mesmo lembro se já vivi
Uma vida em que não houvesse dor.


Hoje já não sei se eu nasci
Ou se já vim morto de nascimento
Fadado a viver me perguntando
O que me causa tanto tormento.

- E eu a viver amando a tudo
E por tudo também sofrendo
Pois hoje sou um homem sem medo
Que a tudo quer e a tudo vive querendo.

E não há lógica mais cruel
Que essa presente no amor
Como um sentimento tão lindo
Pode sustentar-se na dor?

- Talvez dialoguem asneiras
Ou teçam artimanhas contra nós
Mas ultimamente um começa no outro
E o que sempre resta é o após.

Só sei que das mulheres eles falam
E falam sobre mulheres num andor
E nós, discípulos e escravos da alma
Temos um coração curioso e sonhador.

- Irmão e irmã, filhos das mulheres!
E que mães desnaturadas elas são
Parem amor e dor, mas, na hora de criar
Entregam-nos em nossas mãos.

E deixam sua cria à nossa sorte
Embora sejamos irresponsáveis
Somos mães e pais de filhos amados
E odiados, contudo, por nossos erros irreparáveis.

- É verdade e desdita tudo que dizes
Sobre a tutela que temos nas mãos
Não somos donos nem de nós mesmos
Quem dirá de um outro coração.

Somos atraídos por nossos desejos
E fazemos de nosso lar uma prisão
Não por imprudência ou negligência
Mas por falarmos com a voz da paixão.

- O desejo é uma lâmina afiada
E o apaixonado sofre duplamente
Primeiro o desejo corta o coração
Depois ele é cravado na mente.

Sábios os que usam armadura
E que se privam do próprio olhar
Estes formam o grupo dos homens
Que nunca irão se apaixonar.

- Os sábios, amigo, são todos
Teóricos por devoção
Que da prática nada conhecem
E do amor só têm a audição.

E são todos velhos, bem sei
Não por muito terem vivido,
Mas, por tanto abortarem o amar,
O coração tem se apodrecido.

- Entendo... Discordo, entretanto.
Antes fossem todos amados
Ou amantes, pois, os sábios hoje,
Foram antes ‘comidos, cuspidos e largados’.

E mesmo com tudo isso
Digo que dar sentido à vida
É amar, não ser amado.
Amar até a hora da partida!

- Amar para sempre é sofrer
Se o outro não conseguir te amar
Por isso é mais sábio viver
Amando enquanto o “para sempre” durar.

Eternas são só as lembranças
Já os amores, estes vêm e se vão
Cada ida é uma vez que morremos
E cada chegada é uma ressurreição.


- Amar eternamente é a solução
Para os problemas da humanidade
Não se precisa amar um alguém
Mas os humanos em sua totalidade.

Esquece que um dia
O teu amor te abandonou
Pois o amor só abandona
Quem um dia já amou.

- O que dizes é uma boa questão
E que há muito me inquieta
O amor é fruto de sua lembrança
Ou da dor que ele arquiteta?

Razão e paixão não são aliadas
Nunca foram, nunca serão
Pois como podemos viver nas nuvens
E ainda assim triscarmos o chão?

- Não vivemos nas nuvens
Mas sim no ardor do inferno
Pois, que é o amor
Senão calor no inverno?


Derretemos o gelo
E fez-se então um mar
E tal mar é composto
Pelo verbo sofrer-amar.

- E é de inventar verbos
Que se cria a gramática do amor
Imperativos da primeira pessoa
Subjuntivos do que ainda for.

Tempo presente e talvez um futuro
Quase sempre imperfeito
Pois o homem que ama é mais que um vidente
É um vidente que só acha defeito

- É isso o que me deixa triste
Pois não acho nenhum defeito
E a tudo nesse mundo
Deixo o adjetivo ‘perfeito’.

E a gramática de nada serve
Se da boca não sai nada
É como tentar escrever
Quando se tem a mão cortada.

- Ter bons olhos a tudo que vê
Não é absurdo, muito menos defeito
Mas apenas um retoque que fazes
Para deixar o teu mundo direito.

O remédio da dor é a ignorância
É não saber o que te devora
Desconhecer o infortúnio da alma
Não saber que o amor foi embora.

- É absurdo e é defeito
Por isso que ando a me cegar
Já não aguento mais sofrer
Por mais que eu ame amar!

E se ontem evitei o amor
Foi pra hoje me provir dele
Pois se ontem ele cuspia dor
Hoje é prazer que ele expele.*

Amigo,
O amor é o amor e é beleza
Então permite a ti sentir
Deixa todo rancor e mágoa
Simplesmente ir.

Ama hoje e amanhã, sê amante
E por nada nesse mundo cansa de ser
Ama pelo bem teu e dos outros, do mundo
Ama de amanhecer a amanhecer.




[O outro apaixonado atende por Solitude]

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