Algo eu digo:

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Torre de Bebel

Nenhuma montanha gosta de ser alta.
É ruim ser intocável, ter o cume longe de qualquer cafuné
E lá em cima é frio.
Nenhuma montanha gosta do frio.

Quando um grito a desperta
Quando um toque a aquece
Ela derruba a neve
A deixa correr solta, caótica, por seu corpo
A deixa deslizar, purificando, levando tudo em seu caminho
Tentando levar a montanha junto com ela
Tentando diminuí-la
Descê-la
Tranformá-la em homem
Fazê-la sentir
Tirar-lhe a dormência que o frio causa

Sei disso porque sou montanha
Ainda que em uma cordilheira
Sou apenas montanha

Cordilheira não é coletivo
É um conjunto de solidões
Onde os gritos ecoam
E o eco é um grito não ouvido
É um grito retornado
Uma avalanche que não se forma

Alpinistas se aventuraram em meus desafios
Deixaram pegadas em meus enigmas
Que cada avalanche absorveu
Tornando-me menor
Menos montanha

Mas os ventos sopram
Anunciam o inverno
Os alpinistas descem
A avalanche ecoa
E me torna montanha de novo

Mas nenhuma estação é eterna
Nenhuma montanha nasceu grande
Nenhum homem morreu pequeno
E toda neve já foi água

Os pássaros têm sede
Às vezes têm sede de água intocável
Às vezes só querem voar
E foi assim que aconteceu

Um pássaro pousou sobre mim, montanha
Triscou seus pés em minha dormência
Cantou seu canto rouco, que não ecoou
Bateu asas e voou
Fugiu, se libertou
Matou sua sede
Talvez até mais
Voou para baixo, para chegar lá em cima
E provocou um desmanche

- Avalanche!

Minha neve derreteu
Tornou-se água
Tornou-me transparente
Diminuiu-me
Desceu-me
Concedeu-me um sentido a mais
Levou embora tudo que tinha de alto
E do meio da cordilheira, da epiderme do meu tato
As certezas de que sou montanha somem
Isso porque sou menos montanha

E mais homem.

Um comentário:

  1. simplesmente perfeita,

    e se tu me fala que tem a medida certa pra ti... eu digo que ela mede a mim tb.


    [a minha favorita]

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